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Em permanente Compromisso Histórico

Separe-se a diplomacia da Justiça

Tudo se precipitou em Polokwane, no último congresso do ANC que teve lugar em Dezembro de 2007. Thabo Mbeki, que procurava um terceiro mandato como líder do partido, saiu derrotado pelo seu rival de longa data, Jacob Zuma, nem mais nem menos o homem que Mbeki demitiu em 2005 da vice-presidência da África do Sul, sob acusações de crimes de corrupção e violação. Poucos sabiam, mas Mbeki saiu de Polokwane com o destino traçado. Agora Zuma só tinha de esperar pela decisão favorável do tribunal para actuar. E assim fez. À primeira oportunidade desembaraçou-se habilmente de Mbeki, acusando-o de tentar infl uenciar a decisão dos juízes. O sucessor de Mandela, num caso sem precedentes, nem chegou a completar o mandato, renunciando à presidência oito meses antes da data prevista.

 

Quem esteve em Polokwane não esquece o ambiente de cortar à faca vivido pelos 4 mil delegados do partido provenientes de todo o país. As clivagens, as trocas de acusações, as denúncias foram tão grandes e tão profundas que há mesmo quem defenda que o partido jamais foi o mesmo. Em Polokwane abriu-se a tampa de uma panela de pressão de consequências, por ora, ainda imprevisíveis. Efectivamente, o que uniu até hoje o ANC? Durante muitos anos foi o inimigo comum, ou seja, o apartheid, esse regime desumano que separava as pessoas e os seus direitos civis em função da cor da pele. Nesses anos de combate puro e duro, todas as todas forças eram poucas para derrubar um regime que até possuía armas atómicas. Depois disso, e após a vitória nas urnas, em Abril de 1994, nas primeiras eleições multirraciais da história da África do Sul, foi Nélson Mandela quem se encarregou de fortalecer a unidade interna. Parecia que, por respeito a tão magnânima fi gura, ninguém ousava criar cisões. À medida que Madiba foi envelhecendo, e principalmente quando anunciou que não se canditaria a novo mandato, imediatamente surgiram divisões. Foi só o prenúncio daquilo que um dia poderia vir a acontecer. Contudo, a eleição de Mbeki, há quase dez anos, sendo a escolha preferida do velho, ainda foi mais ou menos consensual. Mas o que se está hoje a passar no interior do ANC era mais do que previsível. Porque o ANC não é um partido: é uma vasta coligação de forças tão díspares que vão desde comunistas radicais de linha dura, passando por sindicalistas moderados e por socialistas, até grandes defensores da economia de mercado. O ANC alberga hoje, entre os seus militantes, os mais miseráveis do país e os maiores capitalistas, gente que enriqueceu brutalmente nos últimos 16 anos do seu Governo. Estas camadas socio-económicas possuem, inevitavelmente, interesses absolutamente antagónicos. Só a nação do arco-íris tem conseguido agregar numa só força política gente com interesses tão díspares. Em qualquer parte do mundo uma coligação de tão largo espectro estaria condenada a graves e quiçá irremediáveis cisões que a tornariam inviável. Assim, de memória, tão abrangente só consigo vislumbrar o célebre “Compromisso Histórico” rubricado entre a Democracia Cristã italiana e o Partido Comunista de Berlinguer. E mesmo esse só foi possível porque o partido de Berlinguer não era um partido comunista clássico, tradicional, mas sim um partido comunista avant la lettre como fi cou provado quando surgiu a Perestroika. A experiência inovadora em Itália, todavia, não durou muito. Cedo as incompatibilidades revelaram-se inultrapassáveis e a coligação ruiu. Agora imaginem um partido em constante “Compromisso Histórico”, acrescentem as divisões étnicas e verão que não é nada fácil cimentar a unidade no ANC. É mesmo um trabalho que, provavelmente, só poderia ser desempenhado por uma fi gura tão superior como Nélson Mandela.

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